O Amanhecer no meu sertão, A SERRA DO ARARIPE.
Cantava o galo Chulipa três vezes antes do sol nascer, isto, para informar aos outros animais , inclusive para os outros galos, quem era o verdadeiro dono do terreiro, quem era o senhor daquele arrebol, na outra extremidade , zurrava o jumento Jericó por três vezes, isto com a finalidade de mostrar aos seus companheiros e companheiras a sua localização num raio de quatro a cinco quilômetros e que chegara a hora de transportar a água para encher os potes da casa.
É o asinino um animal de origem desértica, possui uma grande cabeça, olhos laterais , para proteção , duas longas orelhas forradas com pelos macios, ouvidos atentos e de bocas grandes que se afunilam ao chegar à sua inserção, o cume da cabeça, como se fossem um par de chifres ou duas antenas de abas largas tais quais dois radares em movimentos rotativos, numa varredura de 280º, ora para cima , ora para baixo , para frente e para trás com a finalidade de captar longínquos sons . É o Jumento um animal inteligente, cheio de manhas , pantins, manias, mistérios e superstições, é um bicho de grande adaptação, come de tudo, de camisas nas cercas a sola de sapatos encontrada nos monturos , precisa de pouca água , é resistente as intempéries da natureza, chova ou faça sol, lá está o asno a sobreviver, num raio de cinco mil metros é quem manda na caatinga, é um animal testosterônico em demasia, enfeitiçado pelo hormonio feminino é um perigo. Foi ele quem ajudou o menino Jesus a escapar em Belém das garras do Rei Herodes, quando este autorizou o maior infanticídio da face da terra, o Jumento é nosso irmão.
Neste cenário bucólico, a brisa fria batia nas gramíneas, nas babujas e nos arbustos, o orvalho da noite, que se precipitava sobre as folhagens da caatinga, molhava o rosto e as vestes de algodão grosseiro que protegia a pele áspera do homem serrano, quando este Corema caminhava em direção ao curral em busca do necta branco da vida, oriundo do ubre das pacientes e abençoadas vacas.
Com o cheiro contagiante vindo da terra orvalhada , com os cantos dos pássaros e o zoar dos sons de dezenas de chocalhos os viventes do arraial despertavam.
O vaqueiro com a sua corda de croá e o seu balde a tiracolo chegava ao curral, a vaca diligentemente chamava a sua cria, abriam-se as porteiras e o bezerro logo ia até as edemaciadas tetas , cabeça junto ao ubre , peia nas pernas da vaca leiteira , para contê-las, mãos grossas do sitiante a amaciar o túrgido alforje natural repleto de leite, neste momento a cuidadosa e desconfiada mãe liberava o proteico líquido.
Enquanto a vaca mugia, mungia o vaqueiro, e entre um mugido e outro , o vaqueiro ia mungindo, ia mungindo até o momento em que o bezerro faminto berrava, era um alerta , era um pedido de socorro, informava que o leite não estava lhe sendo entregue, estava sendo desviado para outro mamador, a sua mãe estava sendo enganada, de imediato a vaca segurava o necta da vida , só liberava para a boca faminta de sua cria, este com muita sede ordenhava as tetas com a sua língua de lixa, beiços grossos lubrificados e duas ou três marradas no ubrepseudovazio , num aforismo nordestino que diz , bezerro que não berra não mama, daquele momento em diante só o bezerro poderia mamar, terminada esta ordenha, partia o vaqueiro para outra vaca que mugia a procura do seu rebento , enquanto a vaca mugia, o vaqueiro mungia, mungia de uma a uma, de teta em teta, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe, o vaqueiro mungido e a vaca mugir.
O galo cantava, o Jumento Zurrava, as vacas mugiam, os bezerros berravam, os pássaros cantavam, os chocalhos zoavam e o vaqueiro mungia, nascia o sol, abriam-se as porteiras, os animais corriam, enchiam os pastos e as mangas , o tilintar dos chocalhos preenchiam sonoricamente os espaços, estes com cheiros de flores, jasmins, cedros, cidreiras, capins, estercos e urinas espumantes cobertas por milhares de borboletas de asas grandes e amareladas.
Mesa posta, aroma de café em toda a casa, queijos de coalho e de manteiga na mesa, prato fundo com leite fresco, espumante e fervendo de quente, farinha de milho ou de mandioca, sal, carne do sol, tigelas de qualhadas, um prato de macaxeira cozida, bule vermelho esmaltado cheio de café torrado e pilado em casa, tapioca untada com muita manteiga de garrafa , ovos estrelados na banha de porco, que na maioria das vezes a gordura caia pelos cantos da boca, era assim o amanhecer na minha querida Serra do Araripe e haja saudades e haja.
Iderval Reginaldo Tenório
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